BULLYING
Drª Marta Faria
O Bullying, expressão inglesa com difícil tradução para português, consiste segundo Alexandre Ventura, do Departamento de Ciências da Educação da Universidade de Aveiro, “na violência física e/ou psicológica consciente e intencional exercida por um indivíduo ou um grupo sobre outro indivíduo, ou grupo, incapaz de se defender e que, em consequência de tal agressão, fica intimidado, podendo ver afectadas as respectivas segurança, auto-estima e personalidade” (JN, 2005). “No bullying, existe sempre uma relação desigual de poder entre agressor (bully) e vítima, normalmente o agressor é mais velho e mais pujante”, explicou.
Os bullies (agressores) são crianças que têm necessidade de sentir que têm poder, e que aprenderam que o bullying lhes satisfaz essa necessidade. O que os distingue de uma criança que ocasionalmente provoca alguém é um padrão repetido de intimidação física ou psicológica (Beane, 2006).
Segundo Alexandre Ventura, o bullying assenta num fenómeno muito mais preocupante do que a indisciplina e a violência em ambiente escolar. “Ao contrário da violência ou da indisciplina escolar, que acontecem através de actos isolados no tempo, o bullying é caracterizado pela continuidade no tempo” (JN, 2006).
Gozar, chamar nomes, ameaçar, empurrar, humilhar, excluir de brincadeiras e jogos são actos de todos os dias, que acontecem “desde sempre, desde que há crianças” (Carvalhosa, Lima & Matos, 2002). E a isto se chama bullying. Muitas vezes é considerado pelos adultos como “saudável” e “uma boa forma de aprender a viver e a defender-se”. Na realidade, este fenómeno pode deixar marcas para toda a vida e abarca um grande espectro de comportamentos, nenhum dos quais é “normal” ou aceitável, uma vez que os bullies: agem com maldade e com rudeza; agem como se fossem donos do mundo; ameaçam as pessoas; andam armados; assustam os outros; atacam pessoas; batem; chamam nomes; contam anedotas maldosas; danificam as coisas dos outros; dão empurrões e/ou pontapés; deitam os outros no chão; dizem coisas desagradáveis sobre os outros; embaraçam os outros; escarnecem dos outros; espalham boatos; excluem os outros de actividades; fazem comentários racistas ou sexistas; fazem os outros sentirem-se como se não existissem; fazem os outros sentirem-se indefesos e inferiores; forçam os outros a darem-lhes as suas coisas e/ou o seu dinheiro; forçam os outros a fazerem coisas que eles não querem; ignoram e/ou insultam e intimidam os outros; magoam os sentimentos dos outros; roubam; tocam nos outros de forma rude ou abusiva, entre outros aspectos (Beane, 2006).
Estes comportamentos podem marcar a personalidade de uma pessoa para sempre ao torná-la débil na capacidade de comunicação, ao torná-la incapaz de se afirmar em termos sociais, profissionais e amorosos. As vítimas de bullying tornam-se muitas vezes pessoas tão frágeis que chegam mesmo a tentar o suicídio. “Normalmente, as vítimas sofrem em silêncio, sentem-se ridículas e até culpadas pelo facto de serem vítimas”, afirma Beatriz Pereira (JN, 2005).
Lopes Neto defende que os casos de suicídio devem-se ao facto de as vítimas não suportarem tamanha pressão psicológica advindas do bullying. Talvez o pior efeito da pressão sofrida nos casos de bullying é a vítima se sentir condenada à “inexistência” ou à “invisibilidade”, geralmente levado a cabo por um grupo que combina entre si ignorar um colega, fazer de conta que este não existe, desqualificá-lo na sua competência intelectual, ou rejeitar um pedido seu. Há casos em que esse tipo de vítima passa a sofrer tão baixa auto-estima que nem sequer tem forças para desabafar com alguém. Por outro lado, existem casos em que a vítima aprende a conviver com a situação tornando-se uma voluntária servil do dominador (Lima, 2004).
Muitas crianças vítimas de bullying desenvolvem medo, pânico, depressão, distúrbios psicossomáticos, problemas de relacionamento, baixa auto-estima e geralmente evitam retornar à escola quando esta nada faz em defesa da vítima. A fobia escolar geralmente tem como causa algum tipo de violência psicológica e a maioria de casos de bullying ocorre no interior das salas de aula, sem o conhecimento do professor (Pereira, Mendonça, Neto, Valente & Smith, 2004; Cowie, Naylor, Rivers, Smith & Pereira, 2002).
Além de conviver com um estado constante de pavor, uma criança ou adolescente vítima de bulying talvez sejam as que mais sofrem com a rejeição, isolamento, humilhação, a ponto de serem impedidas de se relacionarem com quem ela deseja, de brincar livremente, de fazer a tarefa na escola em grupo, porque os mais fortes e intolerantes lhe impõem tal sofrimento. Também faz parte dessa violência impor à vítima o silêncio, isto é, ela não pode denunciar à direção da escola nem aos pais, sob pena de piorar sua condição de discriminada. Pais e professores só ficam sabendo do problema através dos efeitos e danos causados (Hirigoyen, 2000).
Em geral, sabe-se menos acerca das vítimas do que acerca dos bullies. As crianças são vítimas de bullying devido à sua aparência física, aos seus maneirismos, ou simplesmente porque não se “encaixam”. De facto, um estudo demonstrou que “não encaixar” é a razão mais comum para uma criança ser vítima de agressão por parte dos seus colegas. As crianças portadoras de uma deficiência ou de uma doença crónica são alvos comuns. Outras vítimas são as crianças cujos pais são demasiado protectores ou dominadores (Beane, 2006).
Muitas vítimas são passivas (ansiosas, inseguras, etc.) ou provocadoras (facilmente irritáveis, irrequietas, etc.). As vítimas provocadoras também se encontram numa situação de risco de se tornarem bullies (Beane, 2006).
As crianças que se tornam bullies apresentam um risco mais elevado de desenvolverem problemas no futuro do que as outras crianças. Por exemplo, aos trinta anos de idade, 25% dos adultos que foram identificados como sendo bullies quando eram crianças tinham cadastro, ao passo que apenas 5% dos adultos não identificados como bullies tinham cadastro. A intervenção precoce torna-se essencial (Beane, 2006).
Bibliografia consultada:
- Carvalhosa, S. F.; Lima, L. e Matos, M. G. (2002). Bullying – A provocação/vitimação entre pares no contexto escolar português. Análise Psicológica, 4 (20): 571-585.
- Cowie, H.; Naylor, P.; Rivers, I.; Smith, P. K. & Pereira, B. (2002). In Agression and Violent Behavior, vol. 7 (1): 33-51.
- Hirigoyen, M. F. (200). Assédio moral: a violência no cotidiano. Rio de Janeiro: B. Brasil.
- Jornal de Notícias
(http://jn.sapo.pt/2005/12/04/tema_da_semana/intimidacao_pode_deixar_marcas_para_.html) – Intimidação pode deixar marcas para toda a vida.
(http://jn.sapo.pt/2006/05/22/sociedade_e_vida/casos_bullying_portugal_precisam_mai.html) – Casos de “bullying” em Portugal precisam de maior compreensão.
- Lima, R. “Byllying”: uma violência psicológica não só contra crianças. Revista Espaço Académico nº 43 (2004). Retirado em http://www.espacoacademico.com.br/043/43lima.htmtm.
- Pereira, B.; Mendonça, D.; Neto, C.; Valente, L. & Smith, P. K. (2004). Bullying in Portuguese Schools. In School Psychology International, 25 (2): 207-222.
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