quinta-feira, 8 de novembro de 2007

IMPACTO DESENVOLVIMENTAL DA MATERNIDADE NA ADOLESCÊNCIA


A adolescência (período de vida situado entre a infância e a idade adulta) é uma das etapas do desenvolvimento humano caracterizada por alterações físicas, psíquicas e sociais (Cabrera, 1995). Começa com o desencadear da puberdade e termina mais ou menos precisamente com a integração do indivíduo na sociedade dos adultos. A puberdade (fenómeno fisiológico que marca a entrada na adolescência) é definida por alguns autores como o conjunto dos fenómenos de maturação, tanto físicos como psíquicos, que marca o início de vida reprodutiva de rapazes e raparigas. Ela implica uma série de importantes transformações do corpo que se realizam a um ritmo acelerado (Boisvert, 2006). Uma gravidez na adolescência provoca alterações na transformação que já vem ocorrendo de forma natural, ou seja, implica um duplo esforço de adaptação interna fisiológica e uma dupla movimentação de duas realidades que convergem num único momento: estar grávida e ser adolescente (Coates, Françoso e Beznos, 1993).
Sendo a crise um período temporário de desorganização, precipitado por mudanças internas e externas, pode-se afirmar que tanto a adolescência quanto a gravidez são uma crise, dado que ambas implicam modificações sensíveis nos comportamentos, nas formas de pensamento, nas relações e emoções da adolescente. A primeira é necessária e imprescindível para o crescimento do indivíduo enquanto ser humano, já a segunda é uma opção, pois pode-se escolher o momento de viver a gravidez (Saito e Silva, 2001).
A maternidade na adolescência condiciona adversamente as trajectórias desenvolvimentais tanto da mãe como do bebé, colocando-os numa situação de elevado risco psicossocial (Figueiredo, 2000).
Ao comparar as crianças de mães adolescentes com as crianças de mães adultas, os estudos empíricos encontraram um maior número de complicações obstétricas e problemas médicos (baixo peso à nascença, prematuridade, mortalidade neo-natal), atrasos no desenvolvimento cognitivo, baixo rendimento escolar e problemas de comportamento junto das primeiras. A investigação tem ainda mostrado que as consequências adversas sobre a criança associadas à maternidade na adolescência não se limitam aos momentos que se seguem ao nascimento. Numa amostra de 70 crianças em idade pré-escolar, por exemplo, constatou-se que um elevado número de crianças (56 %) apresentava nível cognitivo baixo, um elevado número (53 %) apresentava atraso de linguagem e um menor, mas ainda elevado número, (23 %) apresentava sintomatologia psicopatológica a nível clínico (Apfel & Seitz, 1997; Hann, Osofsky & Lump, 1996; Miller, Miceli, Whitman & Borkowski, 1996 em Figueiredo, 2000).
À semelhança do que se verificou com a criança, também na mãe foram assinaladas consequências adversas decorrentes da maternidade na adolescência, principalmente: níveis menos elevados de ensino, dificuldades económicas, desemprego, emprego mal remunerado ou instabilidade no emprego, divórcio, monoparentalidade, segunda gravidez e problemas psicológicos. Assim, as consequências adversas para a mãe situam-se a diversos níveis: a nível físico e da saúde, mas também a nível social, educacional, profissional e sócio-económico, e ainda a nível psicológico (Figueiredo, 2000).
Importa salientar ainda, que as principais queixas apresentadas pela jovem grávida são: dificuldades na relação com os pais pelo surgimento da gravidez, algum desapontamento, culpas e acusações que poderão ocorrer aquando da chegada da notícia; dificuldade na relação consigo própria pela “necessidade” de integrar a gravidez e a expectativa da maternidade nos seus projectos e interesses de adolescente; receio de possíveis alterações no relacionamento com o seu namorado; dificuldade em conseguir gerir a relação com o seu grupo de amigos; dificuldade em conseguir encontrar um espaço onde se sinta confortável para falar sobre os seus medos e dúvidas face à situação vivida (Kalina, 1999).
Conclui-se que quando se trata de uma adolescente grávida, às mudanças emocionais e físicas são acrescidas questões de ordem psicossocial e, ainda, de falta de apoio, as quais podem tornar a gravidez numa experiência traumática, num problema emocional e de saúde e promotor de exclusão social (Costa, 1997). Conclui-se ainda, que a maternidade afecta negativamente, e a diversos níveis, a trajectória desenvolvimental da adolescente, particularmente nos domínios educacional (abandono escolar ou menor progressão educativa), sócio-económico (pobreza), ocupacional (desemprego), social (monoparentalidade) e psicológico (por exemplo, depressão, baixa auto-estima, isolamento social, instabilidade, ansiedade) (Figueiredo, 2000).

Psicóloga Marta Faria

BIBLIOGRAFIA

- Boisvert, C. (2006). Pais de adolescentes: da tolerância necessária à necessidade de intervir (1ª ed.). Lisboa: Climepsi Editores.
- Cabrera, R.R. (1995). La prevención del embarazo en adolescentes: un compromiso con la vida. Revista Niños, 29 (7).
- Coates, V.; Françoso, L. A. e Beznos, G. W. (1993). Medicina do Adolescente. São Paulo: Sarvier.
- Costa, M. E. (1997). Divórcio, monoparentalidade e recasamento - intervenção psicológica em transições familiares: (1ª ed.). Lisboa: Edições ASA.
- Saito, M.I. & Silva, E.V. (2001). Adolescência - Prevenção e Risco. São Paulo: Atheneu.
- Kalina, E. (1999). Psicoterapia de Adolescentes: Teoria, Prática e Casos Clínicos (3ª ed.). Porto Alegre: Artes Médicas.

MAUS TRATOS EM CRIANÇAS E JOVENS


A violência para com os menores constitui uma violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e uma ofensa à dignidade humana, limitando o reconhecimento e exercício de tais direitos e liberdades. Acontece em todos os sectores da sociedade, sem distinção de classe social, grupo racial, nível económico, educacional ou religião. Falamos de significações, relações e contextos, onde há agressores e vítimas que, a curto e a longo prazo, serão ambos vítimas inevitáveis da violência (Azevedo e Maia, 2006).
De uma forma genérica, os maus tratos podem ser definidos como qualquer forma de tratamento físico e/ou emocional, não acidental e inadequado, resultante de disfunções e/ou carências nas relações entre crianças ou jovens e pessoas mais velhas, num contexto de uma relação de responsabilidade, confiança e/ou poder. Podem manifestar-se por comportamentos activos (físicos, emocionais ou sexuais) ou passivos (omissão ou negligência nos cuidados e/ou afectos). Pela maneira reiterada como geralmente acontecem, privam o menor dos seus direitos e liberdades, afectando, de forma concreta o potencial, a sua saúde, desenvolvimento (físico, psicológico e social) e/ou dignidade (Magalhães, 2005).
Os sinais de alarme de maus tratos constituem sinais indicativos da possibilidade de existência de uma situação deste tipo. Como tal, abordaremos os indicadores e a tipologia dos maus tratos:

1. Negligência: a negligência constitui um comportamento regular de omissão, relativamente aos cuidados a ter com o menor, não lhe sendo proporcionada a satisfação das suas necessidades em termos de cuidados básicos de higiene, alimentação, segurança, educação, saúde, afecto, estimulação e apoio (no contexto dos recursos disponíveis pela família ou cuidadores). Deste comportamento resulta um dano na saúde e/ou desenvolvimento físico e psicossocial do menor. Pode ser voluntária (com a intenção de causar dano) ou involuntária (resultante, em geral, da incompetência dos pais para assegurar os cuidados necessários e adequados). Inclui diversos tipos como a negligência intra-uterina (durante a gravidez), física, emocional e escolar, além da mendicidade e do abandono (Magalhães, 2002).
Os sinais de alarme desta forma de maus tratos são: atraso ou baixo crescimento; arrefecimento persistente; cabelo fino; mãos e pés avermelhados; abdómen proeminente; carência de higienização; alimentação e/ou hábitos inadequados; vestuário desadequado em relação à época e lesões consecutivas a exposições climáticas adversas; cárie dentária; unhas quebradiças; infecções leves, recorrentes ou persistentes, ou outra doença crónica que não mereceu tratamento médico; hematomas ou outras lesões inexplicadas e acidentes frequentes por falta de supervisão de situações perigosas e atraso no desenvolvimento sexual (Magalhães, 2005).

2. Maus tratos físicos: este tipo de maus tratos corresponde a qualquer acção que faça uso da força com o objectivo de ferir, por parte dos pais ou pessoa com responsabilidade, poder ou confiança, provocando ou não dano físico no menor (Gallardo, 1994). O dano resultante pode traduzir-se em lesões físicas de natureza traumática, doença, sufocação, intoxicação ou síndrome de Munchausen por procuração. Pode tratar-se de uma ocorrência isolada ou repetida (Magalhães, 2005).
As lesões com diferentes localizações e diversos tempos de evolução; lesões em locais pouco comuns aos traumatismos de tipo acidental para a faixa etária da criança; lesões desenhando marcas de objectos; queimaduras ou cicatrizes com bordos nítidos e com localizações múltiplas; marcas de mordeduras e doenças recorrentes inexplicáveis são alguns exemplos de sinais de alarme desta forma de maus tratos (Magalhães, 2002).

3. Abuso emocional: este tipo de abuso constitui um acto de natureza intencional caracterizado pala ausência ou inadequação, persistente ou significativa, activa ou passiva, do suporte afectivo e do reconhecimento das necessidades emocionais do menor. Deles resultam efeitos adversos no desenvolvimento físico e psicossocial do menor e na estabilidade das suas competências emocionais e sociais, com consequente diminuição da sua auto-estima (Magalhães, 2005). O abuso emocional, às vezes tão ou mais prejudicial que a violência física, é caracterizado por insultos verbais, humilhação, ridicularização, desvalorização, hostilização, ameaças, indiferença, discriminação, rejeição, abandono temporário, culpabilização, críticas, envolvimento em situações de violência doméstica extrema e/ou repetida, etc. Trata-se de uma agressão que não deixa marcas corporais visíveis, mas emocionalmente causa cicatrizes indeléveis para toda a vida (Gallardo, 1994). Este tipo de maus tratos está presente em todas as outras situações de maus tratos, pelo que só deve ser considerado isoladamente quando constituir a única forma de abuso (Magalhães, 2005).
Os sinais de alarme desta forma de maus tratos são: deficiências não orgânicas de crescimento, com baixa estatura; infecções; asma; doenças cutâneas; alergias e auto-mutilação (ex: arranhar-se) (Magalhães, 2002).

4. Abuso sexual: o abuso sexual traduz-se pelo envolvimento do menor em práticas que visam a gratificação e satisfação sexual do adulto ou jovem mais velho, numa posição de poder ou de autoridade sobre aquele. Trata-se de práticas que o menor, dado o seu estádio de desenvolvimento, não consegue compreender e para as quais não está preparado, às quais é incapaz de dar o seu consentimento informado e que violam a lei, os tabus sociais e as normas familiares. Pode ser intra ou extra familiar e ocasional ou repetido, ao longo da infância (Magalhães, 2002).
Leucorreia (corrimento) vaginal persistente ou recorrente; vermelhidão e/ou inflamação dos órgãos genitais externos femininos (vulva) ou anal; lesões no pénis; lacerações ou fissuras genitais ou anais; hemorragia vaginal ou anal; infecções urinárias frequentes; doença sexualmente transmissível (gonorreia, sífilis, SIDA, etc.); presença de esperma no corpo ou na roupa da menor e presença de sangue de outra pessoa ou substâncias estranhas, como lubrificantes, no corpo ou na roupa do menor e gravidez são alguns exemplos de sinais de alarme desta forma de maus tratos (Magalhães, 2005).

As principais sequelas dos maus tratos para com o menor incluem o atraso de desenvolvimento, problemas cognitivos, atraso de linguagem, dificuldades de relacionamento social, baixo rendimento académico ou profissional, perturbações da personalidade, comportamentos sociais de risco, baixa auto-estima, isolamento, sentimentos de culpabilidade, depressão, baixa expectativa pessoal e profissional, bem como aumento da delinquência e da criminalidade (Azevedo e Maia, 2006). Associada a todos estes problemas, a convivência diária com um meio familiar violento e conflituoso proporciona a aquisição de modelos de vida deturpados, considerados responsáveis pela perturbação da relação entre pais e filhos e pela transmissão do mau trato às gerações seguintes (Gallardo, 1994).
Trata-se, portanto, de uma patologia que nos deve preocupar não só pela sua frequência mas, principalmente, pelas suas consequências.
Podemos afirmar que o custo mais dramático se salda, não só na amputação de um projecto de vida e do desenvolvimento das potencialidades de cada uma das nossas crianças e jovens, que os impedirá atingir a idade adulta na plenitude das suas funções e competências, como também na perpetuação do ciclo geracional de violência.
Por todas estas razões, o diagnóstico precoce do mau trato e a sua orientação adequada tornam-se indispensáveis para evitar esta cascata de acontecimentos mais ou menos previsíveis e altamente danosos no percurso de vida de uma criança maltratada.

Psicóloga Marta Faria


Bibliografia consultada:

- Azevedo, M. C. e Maia, A. C. (2006). Maus-Tratos à Criança – Colecção Psicológica. Lisboa: Climepsi Editores.
- Gallardo, J. A. (1994). Maus Tratos à Criança – Colecção Crescer. Porto: Porto Editora.
- Magalhães, T. (2002). Maus Tratos em Crianças e Jovens. Coimbra: Quarteto Editora.
- Magalhães, T. (2005). Maus Tratos em Crianças e Jovens (4ª ed.). Coimbra: Quarteto Editora.